ADELINO CASSIS, O FILHO DE ZAHIA

Todas as manhãs de domingo, Zahia, imigrante libanesa, acordava cedo, enrolava os charutos para o almoço, deixava a panela cozinhando no fogão a lenha e saía escondida do marido para ir à igreja com seus dois filhos mais novos: Adelino e Julieta.

Foi com sua mãe, Zahia, que Adelino Cassis aprendeu, desde pequeno, que é lícito quebrar algumas regras por uma causa maior, por uma causa de Deus!

Foi assim que, na liderança sindical, colocava Araldite nas fechaduras das agencias bancárias, para impedir que as portas se abrissem em dia de greve. Foi assim que questionou a própria Igreja, pelo seu silêncio diante de injustiças sociais. Foi assim a vida toda. Não se intimidava com limites impostos pelos homens, na certeza íntima de seus propósitos nobres.

Foi um amor muito maior do que o amor por pessoas, mas um Amor pelo coletivo, pela humanidade, que levou Adelino Cassis a priorizar em sua vida a luta social, a luta pelos direitos igualitários.


Sempre foi um homem honrado e batalhador! Militante, lutou pelos direitos dos trabalhadores e aposentados. Foi um dos fundadores e primeiro presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília.

Em 64 foi perseguido, teve seus direitos cassados e foi demitido sumariamente do Banco do Brasil.

Depois de anos, anistiado, continuou a militância. Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Associação dos Aposentados de Brasília e um dos fundadores também da Central Única dos Trabalhadores. É cidadão honorário de Brasília!

Como sua filha, por muitos anos ressenti-me de sua ausência na família, até entender os seus porquês. Ainda que meio ausente de casa, demonstrava afeto de uma forma meiga e sutil, através de pequenos atos e palavras, como uma das suas últimas cenas de carinho para com a esposa Yolanda. Já aos 87 anos, em sua caminhada habitual com a cuidadora, rouba uma rosa do jardim para presentear a esposa. No caminho, repetia: "Ela vai se surpreender..."

Com seu jeito árabe de ser, de "sangue quente", indignava-se com injustiças, falsidades e hipocrisias. Falava o que pensava, "doa a quem doer"... Criou inimigos, sim! Não se importava com o que pensassem. Sempre teve como meta o bem maior. Sempre priorizou o coletivo.

Dessa forma, teve uma trajetória independente. Permanecia filiado a alguma instituição, igreja ou partido, apenas enquanto a percebia coerente. Mas dela se afastava quando, em sua visão, aquele grupo se desviava de seus propósitos.

Esteve lúcido até o final de sua vida. Passava os dias em frente à TV acompanhando as notícias, pronto a comentá-las quando chegávamos para visitá-lo. Acompanhou as mudanças, mesmo já ausente do cenário do movimento de classes.

Nunca quis candidatar-se a cargo público. Reafirmava sempre que era um líder sindical e criticava duramente as pessoas que, em sua visão, amam o poder ao invés de amar a causa. E ele sabia distinguir um e outro!

Mesmo tendo sido perseguido duramente pela ditadura, mesmo sendo criticado por muitos, mesmo tendo sido esquecido por alguns, mesmo tendo se sentido traído por outros, reafirmava até o fim da sua vida:

"EU FARIA TUDO OUTRA VEZ"!

Minha homenagem póstuma ao meu pai, ADELINO CASSIS (23.09.1922 - 31.07.2011)

Comentários

  1. Lindo texto, minha amiga! Lamento a perda.

    Beijos do "brimo",
    Dod

    ResponderExcluir
  2. Eu também admiro profundamente a vida de seu pai. Uma das maiores dificuldades do ser humano é viver seus ideais até as últimas consequências, e foi o que ele fez. Diante de pessoas como ele, eu me pergunto o que aconteceria no mundo se nós todos, cristãos, vivêssemos nossas crenças com a mesma paixão...

    ResponderExcluir
  3. Oi Dulcinéa
    Conheci o seu pai no tempo do restaurante; conversamos por pouca vezes e deu para ver nele o espírito de defemsor das questões injustas. Pena não o ter conhecido melhor. Também,tenho eu decendência libanesa!
    Alegre-se, pois você tem a cada momento de sua vida um bom ensinamento que ele te deixa; e isto faz com que continua sempre vivo para você!
    Um abraço de seu amigo do BRB e do Coral!
    Aloísio (Kojak)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"O Casamento está morto. Viva o casamento! - Resenha

A LIÇAO DO BEM-TE-VI sobre a culpa e a falsa culpa