SAUDADES....

O dia amanheceu nublado! Um feriado diferente. Um feriado em que nada se comemora. Mas um dia de se recolher, de meditar, de refletir!

Não um dia para apenas chorar pelos nossos mortos, mas um dia para relembrar a sua vida! Um dia para refletir sobre a nossa própria vida!

As minhas primeiras lembranças e contato com a morte, remetem-me à casa dos meus avós, em Catanduva, no interior do estado de São Paulo. Eles moravam numa casa de esquina, na rua do cemitério. Na rua em que passava o cortejo fúnebre. Na rua em que passava o caixão e todos os familiares e amigos acompanhavam a pé.

Não sei se lá ainda acontece assim, mas no meu tempo de criança, quando eu  passava as férias por lá, lembro que o costume era velar os mortos em sua própria casa. Vizinhos, parentes e amigos, todos passavam a última noite velando o morto.

O verbo velar tem dois sentidos. Um, originário de véu: colocar véu, encobrir. Existem fatos velados, por exemplo. Algo que se tenta encobrir, mas que transparece, pois é "coberto por um véu". Assim como o rosto das mulheres de antigamente, assim como a sensualidade da lingerie, que mostra escondendo, esconde mostrando.

Velar, também significa passar a noite acordado. Nesse caso, tem a ver com vela, pois antigamente,  para passar a noite em claro, usavam-se velas ou outras luzes naturais, como lamparina ou lampião. Tudo que pudesse manter acesa uma chama de fogo.

Tanto o véu, como a vela, são símbolos usados nos velórios. No caixão é usado o tule. O corpo é maquiado, é enfeitado, para que morto tenha a melhor aparência possível. Queremos nos despedir de nossos entes queridos, com a lembrança de sua feição como se estivessem dormindo.

A vela, nos velórios e nos atos fúnebres, também é simbolicamente utilizada para iluminar o caminho do morto, para dar luz, dar vida. A vela possibilita manter acesa uma pequena chama de fogo. O fogo que queima, que purifica. O fogo que transforma!

Outro símbolo também utilizado nos atos fúnebres e nos rituais de lembrança dos mortos, são as flores.

A coroa de flores, nos enterros, singelas flores atiradas na cova, vasos de delicadas flores para enfeitar os túmulos.

Hoje fiz a minha primeira visita de "dia de finados" ao tumulo de minha mãe. A sua partida foi recente e ainda dói um pouco, a saudade.

Fui visitar o seu túmulo. Um ritual solitário. Uma caminhada silenciosa até o local, refletindo sobre a sua vida, sobre o legado que ela nos deixou. Algumas pessoas, ao me consolarem pela sua morte, me diziam que "sempre fica um vazio, fica um buraco dentro da gente".

Confesso que até agora ainda não senti esse vazio, nem esse "buraco" dentro de mim. Apesar da dor de sua partida e da saudade que fica, parece-me que ela está ainda muito presente.

Minha mãe se faz presente pela lembrança de seu carinho. Pelas coisas que me ensinou. Pela tradição que transmitiu. Sempre que cozinho me lembro dela. Foi com ela que aprendi a cozinhar. Lembro como me ensinava o ponto de dourar a cebola para temperar a lentilha. Lembro de como, antes de existir o processador moderno, ela moia a carne e passava o quibe na maquina manual. Lembro dela abrindo a massa para fazer pizza ou esfiha. Lembro dela sentada enrolando quibes ou charutos de repolho.

Hoje, visitando o seu tumulo, chorei a sua ausência, lembrei do seu carinho. Olhando as flores que eu levara e tantas outras de tantas outras pessoas que levavam para seus tantos outros mortos, olhando essas flores eu entendi o porquê das flores para os mortos.

As flores abrem seus botões no tempo certo. Nos alegram com sua sublime beleza. Exalam o seu perfume. Mas há o tempo de florescer e o tempo de morrer. Um dia a flor murcha! Um dia a flor se vai.

Assim como as flores, nossas vidas aqui na Terra são finitas. Temos os tempo de nos abrir para a vida. Temos o tempo de alegrar as pessoas, temos o tempo de exalar nosso perfume.

Mas há o dia em que também nos transformaremos. Há o dia em que é preciso deixar morrer o corpo para transceder.

E nessa hora, deixaremos só a lembrança!

Deixaremos a marca de nossa vida!

Deixaremos a marca do nosso perfume!

Deixaremos a marca de nosso amor!

Comentários

  1. Chorei lendo este texto lindo e emocionante.
    Hoje o padre falou na igreja que hoje é o dia da saudade.
    Fiquei me lembrando com saudade dos meus avós.
    Abraços,
    Edméa

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