POR VERDES MARES...

Enquanto o catamarã se afastava da costa da cidade de Salvador rumo a Morro de São Paulo, alguns passageiros disputavam um lugar na popa para fotografar e filmar a bela paisagem.

Foi naquele momento em que eu me lembrei que não havia levado a minha câmera digital. 

Eu havia escolhido um lugar  para admirar a bela paisagem. Eu viajava só! Eu queria estar só! 

Estar só para muitos é um desafio. Conheço pessoas que não viajam por falta de companhia. Não sabem o quanto estão perdendo.

Viajar só é, muitas vezes, viajar acompanhado de todo o mundo. Viajando só, viajamos para lugares desconhecidos fora e dentro da gente. Viajar só é uma oportunidade para refletir sobre si mesmo.

A nau rasgava as águas do mar, que sangravam em brancas ondas espumantes. Eu viajava pelo mar e pelos meus pensamentos.  Por alguns instantes, senti pena de ter esquecido a máquina. Lembrei então que eu tinha outra forma de registrar aquele momento. Podemos fotografar com a nossa alma!

Concentrei-me naquele momento mágico, único. Reparei em todos os detalhes. Senti a brisa batendo no meu rosto, esvoaçando meus cabelos. Senti o cheiro do mar. Ouvi o canto do vento, senti o calor do sol. 

Uma onda de alegria tomou conta do meu coração. Fiquei feliz por não ter levado a máquina. Certamente eu, preocupada em registrar tudo, não poderia observar todos aqueles detalhes, todas aquelas sensações. Máquina digital pode registrar imagem. Essas modernas podem filmar também. É a imagem em movimento! O som também pode ser gravado... Mas ainda não foi inventada a máquina que grava as sensações, a máquina que grava as emoções. Essas, só podem ser arquivadas em nossa lembrança!

Há pessoas que, além de não saberem fotografar com a alma, não sabem arquivar suas lembranças.  Muitos nem arquivam, vão entulhando suas gavetas, com as lembranças boas e ruins. As experiências tristes, negativas, vêm sempre à tona, sem que se procure, e as experiências felizes, as que alimentam a nossa alma, ficam escondidas, e as pessoas até se esquecem que elas existem.

Eu, como já fui secretária, entendo bem de arquivos e registros. Tenho uma pasta especial para arquivar as lembranças que me fazem bem. Essas eu gosto de deixar bem à mão, para acessá-las a todo o momento. Dessa forma, a viagem que durou apenas um final de semana, se faz ainda bem presente. Gosto de lembrar aquelas cenas. Gosto de contemplá-las outra vez.

Tem gente que viaja, só para dizer que viajou, para ter fotos para mostrar, para ter assunto para conversar. Hoje em dia, quem não viaja, nem que seja navegando pela internet, acaba se sentindo um peixe fora d'água. Todo mundo viaja ou já viajou. Nem que seja viajar pelos seus pensamentos, ou até mesmo “viajar pela maionese”, escorregando para fora da realidade.

Mas, a maioria das pessoas, ao viajar, se preocupa com tantas coisas, que se esquece de viajar. Não, não estou falando de perder o voo. Estou falando de não estar presente em cada momento da viagem!

Tem gente que viaja para outra cidade ou para outro país, só de corpo, porque a alma e o pensamento viajam para outro lugar. E de porto em porto, de estação em estação, de aeroporto em aeroporto, vão deixando seus fragmentos espalhados pelo mundo. 

Mas tem gente que, sem viajar para outros destinos, está sempre viajando para dentro de si.

A melhor viagem que se pode e deve fazer, é viajar para conhecer a nossa alma, o nosso íntimo ser. É viajar para conhecer a nossa caverna, os nossos castelos, mergulhar em nossos mares, trazendo à tona, um a um, cada fragmento de nosso barco que naufragou.

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