GENTE DA TERRA, GENTE DO MAR



Eu já estava caminhando há mais de uma hora. A praia era linda e, àquela hora, deserta. Acordara cedo, o dia já clareara, o sol já aquecia e bronzeava a minha pele, clara e sensível pelo longo tempo sem tomar sol.

Fazia muito tempo que eu não visitava uma praia tão gostosa! O mar era calmo! A areia grossa permitia ao mar apresentar-se límpido e transparente aos nossos pés e infinitamente azul ao horizonte. Permitia que, nas piscinas formadas pelos corais, visualizássemos, sem mergulho, lindos peixes coloridos que nos saudavam em cardumes à espera de alimento.

Eu estava em Morro de São Paulo, uma praia ilhada na Bahia, pertinho de Salvador. O lugar ainda é agreste, ainda há praias desertas, quase virgens.

Naquele trecho, final da quarta praia, eu já avistava o meu objetivo. Queria chegar até a quinta praia, da qual haviam me falado.

Naquelas paragens sutis, avistei ao longe uma mulher que se ocupava em arrumar o seu espaço. Mais do que um espaço comercial para vender as iguarias da terra, pareceu-me um espaço de uma casa ao ar livre, que se prepara para uma festa. Uma festa para receber seus convidados mais queridos.

As mesas de plástico eram colocadas cuidadosamente e cobertas, de uma forma como eu nunca havia visto ou percebido na praia, com toalhas coloridas. Os postes da cerca eram vestidos com vistosas cangas. Ao me aproximar, reparei que as toalhas eram de chita. Um chitão florido e bonito, meio desbotado de tantas lavadas, sem bainhas, parecendo improvisadas.

Fiquei impressionada com a estratégia: apesar do vento, as toalhas permaneciam nas mesas, seguras pelas cadeiras recostadas.

Ao me aproximar, a mulher, morena de sol, que aparentava uns trinta e poucos anos, cumprimentou-me e ofereceu-me uma água de coco.

Era tudo o que eu precisava e queria naquele momento, após a longa e solitária caminhada. Um lugar para sentar, uma água de coco para saciar a minha sede, uma pessoa para conversar!

Aceito o convite, ela sumiu entre a vegetação à beira da areia da praia, voltando logo em seguida com o coco mais gelado que eu já tomara naqueles dias. O coco verde, furado, com o tradicional canudinho. Mas, para a minha surpresa, originalmente servido em uma tigela de barro, perfeitamente ajustável ao fruto.

Elogiei a forma de servir o coco. Sinalizei o capricho simples das mesas cobertas de chita.

Teresa é baiana, fiquei sabendo. Morara em Salvador e tinha uma sapataria. Negócios da família. Cansada da vida difícil de pequena empresária, que luta para sobreviver em meio a tantos impostos que se tem a pagar, resolveu ir morar na ilha. O terreno, naquele lugar paradisíaco, era herança do avô.

Com o marido e o filho, resolveu iniciar um novo negócio. À beira da praia, mas do que vender coco e quitutes, receber pessoas, acolher. Contou-me que está construindo uma pousada.

A história da Teresa, me lembrou uma outra personagem que cruzou a minha vida. Há muitos anos, quando visitei Pirenópolis pela primeira vez, conheci uma mulher. Era médica e optara em viver na pequena cidade que, à época, ainda não era tão badalada. Ao meu comentário sobre a sua coragem, ela respondeu: - corajosos são vocês que conseguem morar na cidade grande!

Parece que esse sonho de morar em cidade pequena, cidade de praia ou de interior, parece um sonho que toda gente tem lá no fundo de sua alma. Somos um povo do mato. Temos sangue de índio. Temos sangue de negro. Temos sangue de gente da terra. De gente que planta, que colhe, que caça e que pesca para ter o que comer e viver.

Quem mora na beira da praia, só passa fome se for preguiçoso. Tem água de coco para beber, tem peixe para comer. O que quiser vender, tem turista que compre. Teresa me falava: “quem quiser, faz uma receita de brigadeiro, sai na praia vendendo a dois reais cada um. Não tem para quem queira, vende tudo!”

Essa gente, que vive da terra, que vive da praia, que vive do mar, confesso que me dá inveja!

Parece que se contentam com a natureza que Deus dá. Não tem fome de ostentar, não tem fome de ter, não tem fome de mostrar para o outro que tem o que o outro não tem. Não tem fome de comprar tudo que o cartão financia, mas não pode pagar. Não tem fome de vestir o que a moda mandar. Não tem fome de ter o carro último tipo, e o último modelo de celular. Não tem fome de assistir a novidade do cinema nem de ir ao show mais badalado. Não tem fome de saber o que se passa no mundo, na política e no futebol. Não tem fome de comprar mais sapatos que seus pés. Não tem fome de comprar roupas que nunca vai usar.

Não tem fome de conhecer o mundo dos outros. Já que possuem o mundo inteiro, pois têm o infinito do mar diante de si!


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