O TEMPO VIROU...

Outro dia uma leitora do Blog comentou a crônica "E A PRIMA VERA SE FOI". Disse-me que gostou, mas achou o final triste, por eu ter escrito que "a primavera da minha vida se foi".

Achei interessante, mas ao mesmo tempo estranho ela ter feito esse comentário. Estranho porque para mim é natural a passagem do tempo e da vida. Disse a ela que, realmente, a primavera da minha vida se foi. Já não é mais tempo de desabrochar em flor. Já se foi o tempo do viço da juventude. Agora, disse-lhe, eu vivo um outro momento. O momento do outono. Outono é a época de se colher os frutos do que se plantou.

Compartilho essa experiência e esse pensamento porque tenho visto pessoas inconformadas com a passagem do tempo. O aparecimento das primeiras rugas já é motivo para usar botox. As segundas prenunciam o tempo de cair na realidade do tempo que passou. São pessoas que não viveram suficientemente o passado, a primavera e o verão de suas vidas. Não viveram talvez por pensar demasiadamente no futuro. Vivemos na juventude pressionados pela necessidade de investir na profissão, de construir família, de construir patrimônio. Quando acordamos percebemos que os filhos já cresceram e saíram de casa. Percebemos que o tempo passou.

Alguém já disse que a vida passa como as quatro estações: primavera, o florescer; verão, o tempo quente das paixões; outono, o tempo de colher os frutos do que se plantou; inverno, o tempo de se recolher.

Gosto de todas as estações!

A primavera é o tempo de florescer. Gosto quando surgem os primeiros ipês... depois vêm os flamboyans... o colorido das copas em pouco tempo colorem a grama! O vento espalha cor e alegria nas asas de seu frescor! Assim também, em nossa vida, a beleza do desabrochar perfuma o tempo e alegra a todos ao redor! O sorriso da criança abre nossos corações para contemplar a beleza desse amanhecer.

O verão é tempo de dias mais longos, de terminar o expediente à luz do sol, com tempo para caminhar. É tempo de férias, é tempo de sol e calor. É tempo de andar descalço na praia, de ficar à vontade de shorts e de maiôs...De vestir roupas coloridas, de se sentir, independentemente da idade, um pouco mais jovem também. No verão de nossas vidas, é o tempo quente das paixões. Não só as paixões do amor, mas também as paixões do trabalho, as paixões dos movimentos políticos e sociais, as paixões dos nobres ideais!

O outono é tempo de colher os frutos maduros que se plantou. Os frutos plantados por nós. Os frutos que o outro plantou. Quem trabalhou, investiu, pode agora apreciar o resultado de seu trabalho. É tempo de reconhecimento profissional. É tempo de ver os filhos crescidos, realizando os sonhos deles e os nossos de vê-los bem. É tempo de saber que os ideais e esperanças da juventude, mesmo que nem todos eles tenham sido realizados, foram importantes para termos chegado até aqui. Os sonhos impulsionaram as realizações, mesmo que não tenhamos realizado especificamente aquilo que queríamos. Por não sermos donos do mundo e não controlarmos todas as variáveis, nem sempre as coisas saem do jeito que desejávamos. Mas, mesmo assim, quando vivemos o outono de nossas vidas, sabemos que as coisas que não aconteceram, não aconteceram porque não tinham que acontecer. São como os frutos que não vingaram e não fizeram diferença, pois havia tantos outros, que não haveria mãos para colher.

Em Brasília há quem não goste do inverno. O inverno aqui é seco. O gramado, marca registrada daqui, fica cinzento. Havia um tempo em que eu não gostava do inverno de Brasília. Eu olhava para baixo, para a grama e pensava: como a grama está feia! Mas um dia, comecei a olhar para as árvores. Já reparou como as árvores no inverno de Brasília ficam bonitas? As folhas secas vão mudando a cor das copas, que ficam avermelhadas, refletindo o lindo pôr-de-sol desses tempos de seca. Quem olha sempre para baixo não gosta do inverno de Brasília. Quem olha sempre para baixo não gosta do inverno de suas vidas.


Inverno é tempo de recolher. Não recolher da vida. É tempo de recolher para apreciar tudo o que plantamos, tudo o que colhemos, tudo o que foi realizado. É tempo de sentir que a vida vale a pena! Antigamente era um tempo em que avós ficavam em casa esperando a visita de filhos e netos. Era tempo de ficar sentado na cadeira de balanço com óculos de leitura, fazendo crochê. Era tempo de sentar no sofá assistindo televisão. Hoje, não! As pessoas que antes eram "velhas", hoje são vigorosas, freqüentam academias, viajam e são presença freqüente nos programas culturais. Saem para dançar e aproveitam o tempo para namorar.

Hoje em dia, parece mesmo é que o tempo virou. E tudo o que era já não é mais. Parece que não existe mais primavera, verão, outono e inverno... Tem gente florescendo aos cinqüenta, tem gente malhando aos sessenta, tem gente estudando aos setenta e tem gente namorando aos oitenta.....

Comentários

  1. Muito bom teu "O Tempo Virou", Dulcinéa! Obrigada, pelas lindas palavras sobre o inverno da vida. De minha parte, não tenho queixas. Agradeço a Deus a cada dia por tudo o que tem feito e por tudo o que vai fazer. Beijins! Élida

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  2. Obrigada, Rev. Élida! Sua vida é um exemplo vivo do que está escrito. Ou melhor... uma das inspirações!
    Beijins! Dulcinéa

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  3. Incrível como você consegue espressar o resenrolar da vida com delicadeza e harmonia.
    É um prazer ler seus escritos. Saboreio com tranquilidade e vou devagar, pq. já tive pressa em tentar entender a vida com avidez e vi que tudo tem seu tempo, beleza e sabor.
    Gratidão por seu dom da escrita.
    bjão,
    Soraya

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