A PRIMA VERA SE FOI

Outro dia, num desses almoços de família, minha mãe, que já passou dos 80, falou assim, na maior naturalidade, como se estivesse contando que a empregada foi lá na esquina: "a sua prima Vera morreu..."

A notícia bateu no meu estômago, quicou, foi até à cabeça, desceu, quicou no joelho e foi se alojar no meu coração. Meu coração não se conteve e pediu ajuda para os meus olhos que começaram a chorar...

Minha mãe, então, percebendo o impacto daquela notícia, que ela achava sem importância para mim, comentou: "ah!!! ela tinha a sua idade, né?"

Eu ando achando que, para quem já está no início da fila de entrada pro céu, essas notícias sobre morte vão ficando tão freqüentes que, de tão corriqueiras, vão ficando banais... "-Sabe quem morreu? Fulano..." - "Ah é?... de que?".... Bom, dependendo de quem deu a notícia, a explicação é detalhada, contando tim-tim-por-tim-tim desde os primeiros sintomas até a hora em que o coração parou de bater. Há um sentimento de comoção, sim, mas parece que de conformismo também. Parece até que essas pessoas que já estão se preparando para sua hora já sabem que não vai demorar muito para encontrarem os outros por lá....

Deixa eu "limpar a barra" da minha mãe, afinal ela não é tão insensível como poderia parecer! Acontece que eu e a prima Vera tivemos muito pouco contato. Eu não exagero se disser que nós duas, na realidade, só nos vimos no máximo alguns dias durante duas férias na casa dos nossos avós. E isso foi lá pelos nossos nove ou dez anos de idade. Depois dessa idade nunca mais a gente se viu. Nunca mais a gente se encontrou. Às vezes a minha mãe, quando ficava sabendo de alguma coisa, ia repassando as notícias da prima Vera para mim. Um dia que ela se casara, depois que se separou, acho que até tinha uma filha... mas, para ser sincera, às notícias da prima Vera adulta eu nunca prestei muita atenção. Era como se fosse uma pessoa desconhecida para mim.

Acontece, porém, que a prima Vera criança, essa sim ficou muito viva na minha vida. Até hoje, quando eu estouro pipocas, eu gosto de salpicá-las com molho inglês. Foi a prima Vera quem me ensinou essa dica. Fica uma delícia! Aí, então, sempre que estouro pipocas em casa e salpico com molho inglês, eu me lembro da prima Vera. Lembro das nossas demoradas voltas no quarteirão, lá na cidadezinha do interior de São Paulo... a gente ia "dar uma volta no quarteirão" para, longe das vistas das nossas mães, conversarmos sobre coisas que, naquela época, eram proibidas às crianças de dez anos conversarem e que, hoje em dia, as crianças de três anos já assistem nas novelas da televisão.

Era uma idade tão linda, na inocência da ilusão e da curiosidade! Um dia, eu me lembro, estávamos nós quatro: eu, a Vera, a Heleninha e a Cintia, priminhas um pouco mais novas, quando a Leninha perguntou: "a mãe de vocês já falou sobre o sutiã?". Eu, mais acanhada, fiquei calada, mas a prima Vera, que sabia das coisas, deu um sorriso maroto, que eu logo entendi... a gente, que já tinha dez anos, já sabia de mais coisas. A gente já sabia sobre menstruação: um "status" para as meninas de nosso tempo.

Mas... a prima Vera se foi!

Lembrei dessas histórias hoje, quando estava estourando pipocas para acompanhar um DVD. Peguei então o notebook e comecei a escrever essas minhas lembranças...

As lembranças da minha infância, da minha adolescência, da PRIMAVERA da minha vida que se foi...

Comentários

  1. Ei, adorei o texto. Tenho tentado falar mais sobre o processo de ir embora e de deixar os outros irem. E pode ser bonito isso em vez de triste, né? Porque saudade e felicidade pelas coisas bem vividas do passado são coisas muito diferentes uma da outra!

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