“MALINTENDIDO”

Era uma aula de dança de salão. Ele já estava de olho nela. No seu jeito cândido de dançar. No seu jeito macio de rebolar. Naquele dia conseguiu se aproximar, apesar das tentativas evasivas que ele não percebera. Foi chegando perto, puxando-a para junto de si. Ela tentava manter a distância conveniente àquele contexto e lugar, mas ele parecia - ou queria – não perceber. Foi puxando uma conversa macia, dizendo como ele, que era mulato, gostava de mulheres loiras como ela. "E você? - perguntava ele - Gosta de mulato?". "Para mim não é isso que importa" - ela respondeu.

Para ela, a porta de entrada para um relacionamento mais íntimo não era necessariamente a atração física. Por isso, não era a aparência que contava. Podia ser branco ou negro, alto ou baixo, feio ou bonito. Para ela, o amor nasce na alma. O amor nasce de dentro e vai para fora. O amor nasce sem padrão nem explicação.

Ele, no entanto, entendeu aquela resposta ao seu próprio modo. Entendeu que ela estava querendo dizer que estava atraída por ele. Ele entendeu o que o seu desejo queria entender. Conversaram ainda mais um pouco e ele conseguiu descobrir que ela morava só. Para ele, uma mulher que mora só significa ser uma mulher disponível. Para ele, uma mulher que mora só é uma mulher "fácil", que se entrega no primeiro encontro.

Ao término da aula de dança, ela tentou inutilmente desvencilhar-se dele, que a acompanhou até o estacionamento, onde, na despedida, ofereceu-se para ser convidado a ir ao apartamento dela...

Nem preciso dizer o desfecho. Ou preciso? Qual a sua interpretação? Qual a sua opinião? Ela convidou ou não convidou?

Bom, esse pode ser um teste para você perceber se está percebendo certo os sinais Se você acha que ela realmente estava "dando bola" para ele, é bom ficar alerta, pois você pode estar saindo por aí confundindo os sinais, entendendo o que você quer entender, projetando no outro o seu próprio desejo.

Projeção: esse mecanismo de defesa, descrito inicialmente pela psicanálise, acontece todos os dias, a toda hora, na vida de todo mundo. A projeção consiste em atribuir a outro um desejo próprio, ou atribuir ao outro algo que justifique a própria ação. A projeção acontece quando atribuímos ao outro aquilo que nós mesmos sentimos.

O que gosta acha que é gostado, mas quem nunca conseguiu se sentir amado pensa que é rejeitado.

Quem confunde os sinais acaba fazendo a maior confusão nos relacionamentos.

Pensa que é gostado quando não é, invade o espaço do outro, torna-se inconveniente, antecipa-se na conquista, assustando o outro que, no seu devido tempo, até poderia vir a corresponder.

Pensando que não é gostado quando de fato o é, não demonstra seus sentimentos, não dá oportunidade para o outro se aproximar. Ou pior ainda: ao achar que o outro não gosta de si, muitas vezes, com ciúmes, provoca situações em que, de fato, acaba sendo rejeitado. E aí, nesses casos, a profecia se auto-realiza: "Eu me sinto não-amado. Passo a me comportar como uma pessoa rejeitada, agredindo e rejeitando o outro". O outro, que, em princípio, talvez até correspondesse aquele afeto, ao ser agredido e rejeitado, passa a rejeitar também. Isso vira uma bola-de-neve, um ciclo vicioso.

Para quebrar esse ciclo vicioso e torná-lo virtuoso só existe um caminho: o da comunicação aberta, franca, sincera.

É preciso ousar, arriscar e perguntar: Você gosta ou não gosta de mim?

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