O MERGULHO NO ASFALTO


Essa história, que faz parte da nossa história de Brasília, quem me contou foi meu amigo Moacir, leitor do Blog. Ao ler as crônicas que escrevi sobre Brasília, As esquinas de Brasília e O Frio de Brasília, ele lembrou daqueles tempos, quando tudo começou por aqui.


Era o ano de 1958. Brasília era poeira por todos os lados, onde começavam a nascer prédios construídos com cimento à vontade, que despontavam da terra vermelha, como os primeiros dentinhos de leite de criança.


O fato aconteceu no Núcleo Bandeirante, que no início era Cidade Livre. Eu, que morava na 114 sul e raramente saia de lá, ouvia falar de uma tal cidade livre e ficava imaginando como seria. Diziam que lá podia construir do jeito que quisesse e não precisava ser tudo certinho como a superquadra onde eu morava. Ninguém precisava pagar impostos, nem precisava de alvará para abrir um novo negócio. Eu ficava imaginando, quando ouvia falar, como seria morar numa "cidade livre".


Eu viajava em minhas fantasias infantis, permeadas pelas imagens de filmes de faroeste e ficava pensando como seria a tal Cidade Livre. Eu imaginava que chegavam cowboys armados, chutando com suas botas as portas vai-e-vem, entrando bar adentro, ostentando poder.

Podia não ser daquele jeito, mas é certo que a ostentação de poder ainda habita por essas bandas até hoje.


Lá na Cidade Livre tudo era pó e as casas eram de madeira. Mas eram casas de madeira feitas “no capricho”. As madeiras, em ripas finas, eram colocadas horizontalmente, sobrepostas umas às outras como ainda podemos ver ao visitar algumas daquelas construções que resistiram ao tempo e ao fogo, que de vez em quando apareciam por lá.


Foi lá, em 58, que inauguraram o asfalto. Meu amigo me contou que asfaltaram a Avenida Central e uma de suas perpendiculares, a travessa Dom Bosco, formando um asfalto em forma de cruz. O presidente Juscelino, em pessoa, veio inaugurar. Acho que JK gostava mesmo de cruz... talvez para pedir a proteção de Nosso Senhor. Ou, quem sabe, quando pensava na tremenda responsabilidade que era um investimento de tamanha envergadura, como foi construir no meio do mato, no cerrado do Centro-Oeste, uma cidade que hoje está do tamanho que está. Fico imaginando JK fazendo o sinal da cruz e rezando todas as vezes que pensava no que, para muitos, era loucura total.


Mas foi lá, no meio da cruz de asfalto, que JK desfilou de trator. O povo de então, candangos ou não, foi lá para ver. Era um acontecimento e tanto: inaugurar o asfalto da Cidade Livre!


O então presidente JK, num gesto bem humorado, típico do “Nonô”, juntou as palmas das mãos e fingiu que ia mergulhar no asfalto. Fazia do trator o seu trampolim.

Com esse gesto, juntando as palmas das mãos e se inclinando, ao mesmo tempo fingia mergulhar e fazia um gesto de reverência à grandiosidade da Nova Capital que, em adiantado estado de gestação, estava se preparando, ansiosa, para nascer!

Mal sabia ela o que mais tarde tantas coisas iriam por aqui acontecer...


Foto: Cidade Livre , Avenida Central, antes do asfalto. Copiada do site:

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