O GRANDE AMOR

Ela estava preocupada com o que as pessoas poderiam estar pensando a seu respeito, mas também não queria deixar de viver tudo aquilo que estava vivendo naquele momento.

Tendo ficado viúva, estava se permitindo recomeçar a sua vida. Foram anos de dedicação ao marido e ao casamento. Mas agora ele se foi. Ela transformou a aliança de casamento em um anel que manteve no dedo anular da mão esquerda. O símbolo continuava ali. Não um símbolo de fidelidade eterna, mas um símbolo da possibilidade de renovação e reconstrução de sua vida.

Esse fato lembrou-me a cena do filme “Um Lugar na Platéia”. O personagem, cujo nome não lembro, ficara viúvo após um casamento "de uma vida inteira". Durante o casamento, foi construindo, com a esposa, uma preciosa coleção de objetos de arte. Com a morte da esposa, resolveu se desfazer dos objetos preciosos, símbolos de conservação do passado. Era um ritual: ao leiloar os antigos objetos, aos poucos conseguia se desapegar de seu passado. Não o esquecer. Isso seria impossível! Mas reservar-lhe o lugar mais sagrado em sua lembrança. Ao se desfazer dos antigos objetos, deixava espaço emocional para novas experiências entrarem em sua vida. Permitiu-se, dessa forma, reiniciar sua vida afetiva, ao lado de uma jovem e bonita mulher. Com o novo relacionamento de seu pai, o filho, adulto, mostrou-se preocupado, julgando que seria um namoro por interesse. Como se riqueza, juventude e beleza anulassem todas as outras qualidades e atrativos de ambos.

Ainda quanto ao filme: a cena que desejo destacar é a resposta que o personagem em questão deu ao seu filho, ao dizer: - “Sua mãe foi o grande amor de minha vida! Ela nunca será substituída por nenhuma outra mulher. Mas ela se foi e eu desejo e tenho o direito a ter alguém que me faça companhia.”

O argumento inverte valores vigentes e presentes no inconsciente de nossa sociedade, ao mesmo tempo romântica e consumista: O amor romântico dá lugar ao amor realidade: “se eu não posso estar com o ‘grande amor da vida’, posso estar com alguém em cuja companhia posso ser feliz”.

Muitas pessoas passam a vida toda buscando "um grande amor". Às vezes acham que o encontraram... até casarem e perceberem que se enganaram! O que é isso, então? Não existem "grandes amores"?

Gosto de uma metáfora utilizada por J. Pierrakos em seu livro “Energética da Essência”. Ele compara a força erótica ao primeiro estágio de um projétil, lançado ao espaço para tentar vencer o campo gravitacional da Terra e ser colocado em órbita, o segundo estágio. Passada a paixão inicial que aproxima, envolve e compromete os parceiros, prevalece o amor que nutre, acolhe, cuida e faz companhia.

Lembro também as palavras que circularam na internet, com autoria atribuída ao Dalai Lama. Não lembro exatamente, mas o sentido da frase é o seguinte: “quando for escolher alguém para casar, escolha alguém com quem goste de conversar, pois vai chegar um tempo em que isso será o mais importante no casamento”.

O psicólogo C.G. Jung interpreta as paixões como a busca da sua própria alma no outro. O homem projeta a sua Anima e a mulher o seu Animus. Na medida em que o processo de individuação acontece, com a Anima e o Animus mais integrados ao psiquismo consciente, diminui a necessidade de se apaixonar. “Parece que a vida fica até meio sem graça - relatam alguns - pois não consigo mais me apaixonar como antigamente...”. E aí as pessoas que não percebem o que está acontecendo consigo mesmas passam a achar que não precisam mais do outro, que é melhor viverem sozinhas. Ou então buscam incessantemente alguém por quem se apaixonar e isso não mais acontece, pois a pessoa não mais projeta sua alma no outro, não mais projeta sua necessidade de se completar, por sentir-se mais completo, íntegro.

Mas, mesmo assim, mesmo achando que não se vai encontrar mais “o grande amor”, a grande paixão, a alma gêmea, a outra metade da laranja... por que não cair na realidade, e aceitar que é bom estar com o outro? Que apesar de já estar acostumado a viver sozinho, de não precisar dividir despesas, nem espaço, de ter experimentado essa deliciosa sensação de liberdade, por que não experimentar novamente estar junto ao outro? Mas agora de uma forma diferente: estar com o outro, não porque PRECISA dele, mas estar com o outro porque É BOM viver em sua companhia. Estar com o outro, não por não saber viver só. Aprende-se, sim, a viver só, mas isso não impede que se permita “não viver só”!

Pessoas e momentos são insubstituíveis! O amor na maturidade já não se faz de paixões, expectativas e ilusões. O amor maduro se faz da realidade e do desejo de estar junto, de compartilhar os momentos de alegria e prazer. De ter um ombro amigo para chorar nas horas das dores inevitáveis da vida. O amor maduro se faz mais de carinho do que de sexo, mais de compreensão do que de disputas. Faz-se mais do “eu amo você” do que do “eu quero você”. O amor na maturidade transcende o prazer!

O amor da juventude acaba ou se transforma. Há quem busque eternamente o amor da juventude. Essas pessoas, na maturidade, não conseguem se comprometer numa relação duradoura. Buscam o seu próprio prazer, o seu próprio interesse. O que na juventude era a fórmula adequada, passa a ser, na maturidade, a forma inadequada, insatisfatória. O que antes fazia crescer, construir, na maturidade destrói e nada acrescenta.

Esse é o grande desafio para homens e mulheres maduros, que já tiveram o seu tempo de estar junto ao outro, e hoje, separados, divorciados ou viúvos, vivem sozinhos, com medo de viverem uma nova relação que não seja equivalente ao “grande amor” de sua vida.

Aquele, se existiu, por ser único, só acontece uma vez!

Comentários

  1. Olá Dulci, mt interessante seu texto. Agradável pra ler, estimulante de reflexões.....ótimo principalmente pra quem já se encontra na "tal" maturidade, emmomentos de passagem, mudanças nem sempre fáceis.......Obrigada e Parabéns!
    Terê

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  2. Obrigada, Terê!
    Bom saber que faz sentido para vc tb.
    bjs, saudades!!!
    Dulci

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  3. Dulcinea. Teus textos me transportam às terapias de outrora. Aprecio sobremaneira estar em constante e progressiva sessão. Quanto ao amor ... prefiro ouvir. Beijos e Beijos e Há-braços. Volnei.

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  4. Olá, Volnei,
    Obrigada pelo seu comentário! Ele me estimula a escrever cada vez mais.
    Um abraço,
    Dulcinea

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  5. Olá Dulce,

    Como disse a Terê, o amor na "tal maturidade" é de fato muito diferente. Passei por vários amores: aquelas paixões avassaladoras do adolescente, paixões mais bestas no início da idade adulta e o amor sereno de agora. Que de fato começou com uma grande paixão, felizmente crescemos os dois, cada qual se ajustando com o passar dos anos e passamos a compreender com mais facilidade o desenrolar da vida de amantes e companheiros.
    Eses dias li um poema que expressa bem aquele amor que a gente acha que é o único da vida.

    FUNERAL BLUES
    W.A.Auden (tradução de Daniel piza)

    Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
    Evitem o latido do cachorro com seu osso suculento,
    Silenciem os pianos e com tambores lentos
    Tragam o caixão, deixem que o luto chore.

    Deixem que os aviões voem em círculos altos
    Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
    Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
    Deixem que os guardas de trânsito usem luvas pretas de algodão.

    ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
    Minha semana útitl e meu domingo inerte,
    Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção, meu papo,
    Achei que o amor fosse para sempre. Eu estava errado.

    As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
    Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
    Esvaziem o oceano e varram as florestas;
    Pois nada no momento pode algum bem causar.

    Beijinhos, Tania

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  6. Obrigada, Tania,
    por sua brilhante contribuição.
    Meu abraço,
    Dulcinea

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