PÁSCOA É ENCONTRO[1]



Páscoa é uma comemoração judaico-cristã. Foi instituída muito antes de Cristo, na época em que o povo de Israel era escravo no Egito. No Cristianismo, tornou-se data magna, já que a base da doutrina Cristã é a Graça de Deus.


Para o povo judeu, era necessário o sacrifício de animais para a remissão dos pecados. Para o Cristianismo, Cristo foi dado como o “Cordeiro de Deus”. Tornou-se desnecessário o sacrifício de animais para que haja perdão pelos pecados, pois o próprio Cristo foi sacrificado.


No ritual judaico, o sangue do animal era aspergido sobre o povo para a remissão de seus pecados. O animal era assado e a fumaça subia (para chegar ao céu), simbolizando o oferecimento a Deus (“que está no céu”) e o povo comia o assado. Com o sacrifício de Cristo já não é mais a fumaça que sobe aos céus, mas quem sobe é o próprio Cristo. Os cristãos comem o pão e bebem o vinho, simbolizando o corpo e o sangue de Cristo.


Temos em ambos os rituais (o judaico e o cristão), os símbolos de transformação estudados pela antiga Alquimia(2): morte (mortificatio); fogo, cruz (calcinatio); fumaça, preces (sublimatio); sangue, “lavar as mãos” (solutio); comer (coagulatio). Representam também os elementos da natureza: fogo, ar, água e terra.



O FOGO queima, purifica, transforma em cinzas. A combustão produz a fumaça, o elemento AR. As cinzas transformam-se em TERRA e a adubam, permitindo a renovação que será propiciada ao ser regada a terra pela ÁGUA.



É o ciclo da MORTE e VIDA! Para renascer é preciso morrer.



Este ciclo acontece também em nosso processo de desenvolvimento pessoal, na Individuação[3]. Passamos por momentos de morte (separatio): a perda de um ente querido, uma separação, a saída de um filho de casa (mesmo que seja por um bom motivo), a saída de um emprego (mesmo que seja pela aposentadoria), a mudança de casa ou de cidade, o afastamento de um amigo, a não concretização de um sonho etc. Nesses momentos de morte que vivenciamos, algo dentro de nós morre também. Não é apenas o outro que morre, mas ele morre também dentro de mim. E isso é o que é mais difícil de aceitar. Essa é a maior dor! Lutamos contra esse sentimento. Não queremos deixar que essa parte de nós morra também. Não queremos fazer essa separação.



Cristo, no Getsemani, estava angustiado diante da morte que ele já sabia que iria acontecer. Ele também não queria se deixar morrer. Havia um conflito: “Se for possível, passa de mim esse cálice”. O cálice da transformação. O cálice que simboliza a cuba alquímica do processo de transformação. Mas, por fim, Ele se rende e ora: “Faça-se, porém, a Tua vontade”. A vontade de Deus é a nossa própria vontade: não é a vontade de nosso Ego, mas a vontade do nosso Self, de nossa alma, de nossa essência: a parte Divina em nós.




Entre o Ego e o Self há o conflito. O ego não quer deixar morrer. O Self sabe que é necessária a morte para que haja a transformação, a transmutação dos elementos. É preciso deixar-se morrer! É preciso entregar-se à morte de nosso ego. É preciso passar pelo “vale da sombra da morte”. São momentos de dor emocional. Mas são momentos de preciosa transformação. Para que o nosso processo de Individuação aconteça é preciso deixar-se morrer. Nessa hora de dor, nossas lágrimas regam a terra que se prepara para uma nova vida que surgirá. Quando menos se espera, eis que da terra adubada, surge o verde, a esperança, a nova VIDA!



Para o Cristianismo, Cristo subiu aos céus e foi encontrar-se com o Pai É o Encontro do Filho com o Pai. Na descida do Espírito Santo há o Encontro de Deus conosco. São símbolos da coniunctio, o “casamento sagrado”.



Para a Psicologia Profunda, ao revivermos o ciclo alquímico, quer pela experiência pessoal, quer pela celebração da Páscoa, estamos possibilitando o processo de individuação, o encontro conosco, com o nosso próprio Self.



Pelo FOGO, a MORTE!


Pela MORTE, a SEPARAÇÃO!


Pela SEPARAÇÂO, as LÁGRIMAS!


Pelas LÁGRIMAS, a PRECE!


Pela PRECE, a COMUNHÃO!


Pela COMUNHÃO,


O ENCONTRO!



1. Neste texto apresento uma análise da Páscoa judaico-cristã, como metáfora do processo de transformação pessoal, com base na Psicologia Profunda.

2. A alquimia era a química da Idade Média e da Renascença, que buscava a pedra filosofal através da transformação dos metais em metais nobres. Jung estabeleceu paralelismos entre a Alquimia e a psicologia analítica, entendendo a transformação alquímica como o emblema da transformação psicológica.

3. Individuação – "Conceito central da psicologia analítica com o qual se entende genericamente o devir da personalidade, e em particular o processo de transformação contínua de uma individualidade”. Dicionário Junguiano – Editora Vozes e Paulus.


Gravura: Rembrandt Van Rijn
A Ressurreição, 1639, óleo sobre tela, 92 x 67 cm. Alte Pinakothek de Munique - Alemanha:


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