NUDEZ

O corpo revela
O que os lábios não conseguem
Ou não querem dizer
Desnuda sonhos e desejos
Inconscientes, inconseqüentes.
As vestes de nada adiantam
São como cortinas transparentes
Num palco onde se apresenta
O drama de uma vida.

O texto acima, que não ouso chamar de poesia, escrevi há mais de 20 anos. Faz parte do meu caderno de “poesias”, que nunca tive coragem de mostrar à ninguém.

Quem não tem seu “caderno de poesias”, ou seus papéis soltos e improvisados, com inspirações momentâneas de cenas vividas e inesquecíveis?

Eu tinha os meus. Eram folhas arrancadas de cadernos de aulas enfadonhas e guardanapos de papel de bares onde eu estava no momento em que “bateu aquela inspiração”. Nunca os mostrava para ninguém. Um dia, organizei todos em um caderno florido, com caprichada caligrafia (ainda não existia computador pessoal). Mas, mesmo assim, continuaram lá, os meus escritos secretos, escondidos dos olhos alheios.

Eu os escondia porque não os achava bons o suficiente para divulgá-los. Eu os guardava, pois revelavam meus segredos, minha própria nudez. A dupla nudez: a simbólica, dos desejos não realizados, e a da qualidade dos meus escritos.

Lembrei dessa “poesia”, ao refletir sobre dois assuntos correntes nas últimas semanas. O primeiro é aquele tal Reality Show, o qual não assisto (e assim não desperdiço o meu tempo) . O segundo assunto é o belíssimo monólogo, encenado pela atriz Clarice Niskier, “A Alma Imoral”, baseado no livro de mesmo nome, de autoria do rabino Nilton Bonder[1]. Fui assistir à peça e fiquei fã tanto da atriz como do autor do livro.

Clarisse inicia a peça falando da nudez tratada pelo livro, e a representando através de seu próprio e literal desnudamento. Não a nudez de corpo esculpido (como as do programa televisivo, que faz com que suas telespectadoras se sintam horrorosas e os telespectadores comecem a achar suas belas companheiras “um lixo”). Mas a nudez do corpo de uma mulher madura, com todas as marcas do tempo e da vida.

Queremos nos mostrar sempre belos. Nossas qualidades são ressaltadas, nossos defeitos disfarçados. Não queremos mostrar a nossa própria natureza nem a nós mesmos, quanto mais ao outro.

Queremos nos esconder quando não gostamos de nós mesmos. Quando nos olhamos no espelho e nos assustamos com a realidade do que somos. Queremos esconder nossos aspectos sombrios e mostrar apenas os luminosos. Queremos esconder no fundo do baú os nossos atos e desejos que são condenados e reprimidos pela sociedade.

Queremos esconder o que não gostamos em nós, mas deixamos de revelar o que temos de mais sincero e profundo. O nosso verdadeiro EU e o que realmente somos.

A beleza não está no objeto desnudado, mas no próprio ato de desnudar-se. A grandeza de SER o que se É e não se envergonhar de ser assim.

Transpomos o muro da solidão através da verdadeira intimidade. E a intimidade exige o desnudamento.

Mostrar-nos tal como somos, para sermos aceitos e amados apesar do que somos!


[1] BONDER, N. A alma imoral: tradição e traição através dos tempos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

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