A coragem de amar em tempos do Cólera

Brasília acolheu, na noite desta sexta-feira, a abertura do IX Festival Internacional de Cinema de Brasília, no Cine Academia de Tênis. O filme exibido foi a versão para o cinema do romance de Gabriel García Márquez, "O Amor nos Tempos do Cólera", do diretor britânico Michael Newell. No sábado, voltei lá para assistir "A Coragem de Amar", do diretor francês Claude Lelouch.

Saí de ambos os filmes com uma sensação de estranheza. Interessei-me pelo primeiro principalmente porque, confesso, não havia lido o romance de Gabriel Garcia Marques. A sensação de estranheza do primeiro veio por atores latinos falando em inglês. O fato também foi comentado por outras pessoas. Parecia algo irreal, mecânico, artificial. Os personagens pareciam não viver intensamente as falas.

O outro filme me atraiu pelo autor, e pelo nome. Gosto de filmes que falem de amor! Saí meio decepcionada. Achei "A coragem de amar" um filme monótono. Um melodrama, onde duas irmãs gêmeas, preocupadas com o futuro (a ponto de consultarem uma iridóloga), depois de idas e vindas, acabam se casando como num conto de fadas. Uma delas, que antes era garçonete, casa-se com um cantor que alcança o sucesso, após ter sido desprezado por uma namorada. A moça o "salvara" do seu caos emocional. A outra gêmea, que era empregada num castelo, acaba se casando com o rico empresário dono do castelo, também desiludido e "recuperado" por ela. Eu não tinha gostado desse paralelismo melodramático. De onde Lelouch tirara essa idéia irreal? Ele disse à imprensa que estava retratando pessoas comuns...

Meio frustrada, pois não conseguira nenhuma idéia para um artigo, fui dormir. Acordei lembrando dos dois filmes... as histórias se misturaram na minha cabeça e comecei a achar que a Fernanda Montenegro era atriz de A coragem de Amar... Daí, “matei a charada” entendi (suponho), o objetivo de Newell. Ele utiliza ironicamente a "atores latinos falando inglês". Nada soa mais falso. Foi a forma encontrada para retratar a história de Garcia Marques, a antítese Amor e Doença. Um homem que espera por seu "grande amor" por mais de 51 anos (e ele sabe exatamente quantos dias a mais). Newell ironiza a história com pitadas de humor sutil e refinado. Também ironiza, trazendo a interpretação belíssima de Fernanda Montenegro, que, mesmo na vida real, fala coisas sérias com um tom naturalmente cômico. Fernanda tem humor no tom de voz, na cadência de suas frases. É como se estivesse sempre rindo da vida, mesmo nos momentos de dor, como, por exemplo, no filme "A Central do Brasil".

Lelouch, por sua vez, ironiza a vida e a idéia romântica do "felizes para sempre". Faz um filme monótono, como são os casamentos alicerçados no amor romântico e na fantasia de felicidade eterna. A decepção inicial mostra a realidade que é viver e construir uma vida em conjunto.

Tem razão Jung quando diz: "Se encontrar sua alma fora de você, vire a primeira esquina". Ele se referiu ao arquétipo Anima/Animus. O lado feminino do homem e o lado masculino da mulher, introvertidos, buscam em figuras fora de si, sua identificação. O eterno desejo de encontrar a "alma gêmea". Um processo que, a partir das próprias desilusões, leva o indivíduo a enfrentar a realidade de que somos pessoas solitárias em nosso processo de individuação. As paixões nos servem para, projetando nossa própria alma no outro, internalizá-la e integrá-la à nossa personalidade. Aí sim, poderemos compartilhar a vida com o outro, não esperando dele a complementação ideal para a nossa felicidade, mas um caminhar juntos, sem expectativas projetadas no outro.

Não sei se os dois diretores fizeram propositalmente, mas, na minha interpretação, os dois filmes têm esse ponto em comum. O conto de fadas desmascarado. Pretendo assistir ao filme "Deu a louca na Cinderela". Quem sabe esse é mais realista?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"O Casamento está morto. Viva o casamento! - Resenha

A LIÇAO DO BEM-TE-VI sobre a culpa e a falsa culpa