O PASSADO MAIS QUE PRESENTE

O filme “O Passado” estreou na semana passada e já tem sido motivo de várias análises de críticos de cinema e, tratando-se de um conflito típico das relações afetivas contemporâneas, também tem sido objeto de análise de estudiosos do comportamento humano.
Segundo a Folha Ilustrada ,
“O Passado, novo filme do cineasta Hector Babenco, baseia-se no romance homônimo do escritor argentino Alan Pauls (Cosac Naify) e também numa certeza do diretor: ‘Quem manda na relação é a mulher. Por mais que o homem seja agressivo nos negócios, por mais que ele seja autodeterminado nas atitudes empresariais e comportamentais, o vetor da relação é a mulher’.”

E a crítica da Folha continua: “No caso de ‘O Passado’, a mulher continua mandando, mesmo após o fim da relação. Sofía (Analía Couceyro) não desiste de ter um papel na vida de Rímini (Gael García Bernal), com quem viveu um romance de 12 anos, ainda que ele se case pela segunda ou terceira vez”.


Assisti ao filme na semana passada. É desses filmes que “ficam”! Passei a semana refletindo sobre ele, fazendo anotações, elaborando aos poucos este texto. Sugiro que os leitores assistam ao filme, antes de ler minhas análises.
Apresento uma leitura dos riquíssimos simbolismos apresentados na película. Vale lembrar que toda interpretação é subjetiva e influenciada pelas referências pessoais do analista, que, enquanto sujeito, também é objeto da análise de um cotidiano comum a todos nós.

Na minha visão, o filme tem, em seu argumento, mais do que a relação homem-mulher e sua disputa pelo poder de comando dessa relação, ele traça um perfil do poder que o passado exerce no presente da vida das pessoas.

O filme retrata um homem controlado por sua ex-mulher, que o perseguia e influenciava seus relacionamentos posteriores (ou uma mulher controlada pela atitude de indiferença com que era tratada por seu ex-marido?). Rimini tentou seguir a sua vida. Sofia parou sua vida em função da dependência que tinha de Rimini. Na leitura que faço, perseguindo e infernizando a vida de Rimini, Sofia controlava, mas também era controlada pela doentia paixão que cultivava.

Rimini saiu de casa, mas levou consigo uma única foto de Sofia, num porta-retrato, simbolicamente utilizado para o ritual substituto da ligação simbiótica. Ironicamente, Rimini deixou para trás todas as suas fotos, as de infância e as do casal. Na despedida, Sofia lembrou: "Precisamos separar as fotos".
As fotos de um casal são os registros das alegrias que viveram juntos (ninguém tira fotos de momentos ruins). Nos dias e meses subseqüentes, Sofia lembrou-lhe, em vão: "Você tem uma pendência comigo: precisamos separar as fotos".

No desenrolar da estória, Rimini relaciona-se com mais três mulheres. Com a primeira conectou-se a partir da atração física e da identificação mútua pelo similar momento emocional (ambos acabavam de separar-se). A segunda atraiu-lhe pela afinidade intelectual e a segurança proporcionada (segurança financeira, nascimento do filho, o início da “família”). A terceira, pelo instinto, pelo qual acabou sendo traído (o instinto o leva ao intercurso sexual sem compromisso, mas a falta de compromisso da mulher traz à tona a raiva instintiva, não somente por aquela mulher, mas ao que ela representava naquele momento em sua vida).

Mas o passado continuou a perseguir Rimini. E a roda da roca das Moiras que tecem os fios do destino, o levou de volta para casa, para finalizar a sua história com Sofia, através do ritual de separação das fotos e de suas histórias.

No entanto, Sofia, que a princípio foi quem propôs o ritual, dele não participou. E após um vingativo ato de “estupro consentido”, Rimini sai de casa e da relação, levando consigo suas fotos e deixando o seu passado para trás.

A história teria terminado para ambos? Na minha opinião, talvez Rimini, tendo entrado em contato com seu lado sombrio, tenha conseguido naquele momento fechar sua história de dependência afetiva de Sofia e de todas as mulheres por ela representada. Quanto a ela, tenho minhas dúvidas. Não assumiu seu lado sombrio e manipulador. A inconsciência dos motivos que perpetuavam a sua obsessão por Rimini, criara a ilusão de que o tinha de volta. Mas foi frustrada em sua expectativa de tê-lo ao seu lado.

De qualquer forma, ambos ficam com a memória dos momentos vividos. Independente da maneira com que essas lembranças determinem e influenciem os relacionamentos posteriores, elas deixam suas marcas na vida de cada um.

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