MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS –Uma análise junguiana do filme


MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (Coeurs, França/ Itália, 2006), filme dirigido por Alain Resnais, parece, à primeira vista, um filme despretencioso sobre o tema da solidão. Mas se atentarmos para os detalhes e as cenas sutilmente sugestivas, vamos descobrir um argumento que trata de um dos mais importantes aspectos de nossa personalidade.

Os personagens apresentados têm suas histórias entrecruzadas. São eles:

- Nicole (Laura Morante) – está noiva de Dan (Lambert Wilson) e procura um apartamento para alugar;
- Thierry (André Dussollier) – corretor de imóveis, irmão de Gaëlle, tenta alugar um apartamento para Nicole e seu noivo, Dan; Thierry trabalha com Charlotte (Sabine Azéma);
- Dan – desempregado, justifica-se de muitas maneiras, mas ao invés de procurar emprego, está sempre no bar onde Lionel (Pierre Arditi) trabalha;
- Lionel – mora e cuida do pai acamado e rabugento;
- Charlote – mostra-se uma pessoa recatada e religiosa, tentando esconder sua forte sensualidade; além de trabalhar na imobiliária, trabalha à noite como enfermeira, cuidando do pai de Lionel;
- Gaëlle (Isabelle Carré) – é irmã de Thierry e procura um namorado pela internet.

Não quero entrar em muitos detalhes, para não tirar o prazer do leitor de assistir à Medos Privados em Lugares Públicos, mas vale ressaltar um aspecto, que pode passar despercebido a muitos dos expectadores, e será objeto de nossa análise.

Vou discorrer sobre a personagem Charlote, que, a meu ver, é a protagonista do filme. Charlote trabalha com Thierry na imobiliária durante o dia e, à noite, como cuidadora do idoso e demente pai de Lionel. A personagem mostra um lado religioso e puritano em seus dois trabalhos. Para Thierry, empresta fitas de vídeo de um programa religioso, que ela mesmo havia gravado, e insiste que ele deveria assisti-lo. Ao cuidar do pai de Lionel, ela suporta todas as rabugices e agressões do idoso. Ao chegar em casa, Lionel sempre a encontra lendo a Bíblia, enquanto o pai, que sempre dera trabalho a todas as outras cuidadoras, dorme tranqüilo.

Acontece que, tal como na vida real, e como todas as pessoas, Charlote não tem apenas esse lado luminoso que apresentava. Todos nós temos o nosso lado sombrio (medos privados), que, quanto mais negado e inconsciente estiver, mais força terá em nossa personalidade e em nosso comportamento (lugares públicos).

Charlote grava, em uma fita de vídeo, o programa religioso por cima da gravação de cenas de extrema sedução. Intencionalmente, para uns, mas na minha análise, descuidadamente, a gravação do programa não cobre totalmente a fita original, deixando aparecer as cenas provocantes, estimulando o desejo de Thierry.

A fita gravada com o programa religioso simboliza a tentativa de esconder os aspectos sombrios de nossa personalidade (medos privados), mostrando nosso lado luminoso, mas que acaba sendo percebido, denunciando a verdadeira natureza de todo ser humano (lugares públicos). A fita simboliza o que muitas vezes tentamos fazer: apresentar somente os nossos aspectos desejáveis e esperados pela sociedade (lugares públicos), tentando esconder os desejos e comportamentos por ela condenáveis (medos privados). Só que, como na vida real, a "gravação" deixou pistas mostrando a verdadeira natureza de Charlote (lugares públicos), uma mulher bonita e sensual. Charlote tenta ocultar seu lado mais bonito e criativo (mas muitas vezes condenado), e só consegue extravasá-lo com um objetivo “nobre”, acalmar um velho doente, preso a uma cama.

O filme retrata o medo de tornar pública nossa verdadeira natureza, de mostrar-nos tal como somos. O tema aparece também em outros personagens que tentam esconder os aspectos de sua personalidade que nem sempre são aceitos pela sociedade. Dan tenta esconder a sua dependência de álcool e as situações dela decorrentes. Thierry assiste, escondido de sua irmã, as fitas que mostram a sensualidade de Charlote. Lionel fala muitas coisas sobre si, mas não consegue falar de sua homossexualidade. Gaëlle tenta esconder o desejo de ser amada e Nicole, sentindo-se culpada por ter rompido com Dan, tenta “fechar a história de forma civilizada”, para não assumir o papel de quem rejeita o outro.

Todos nós tentamos, de alguma forma, pelos nossos MEDOS PRIVADOS, esconder os aspectos de nossa personalidade que não queremos aceitar, mas tal a gravação feita em cima de outro conteúdo, basta um descuido para a verdadeira natureza vir à tona nos LUGARES PÚBLICOS.

MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS - Em Brasília, no Embracine CasaPark

Comentários

  1. Oi Dulcinea ,não sei se lembra de mim mas ja me consultei com voce em 2006, meu nome é kelly e gostaria de saber como eu poderia entrar em contato com voce pois perdi seus telefones e gostaria de fazer novas consultas,se puder me mande um e-mail kellyfacult@gmail.com, aguardo seu contato! e desculpa a invasão! a proposito! muito legal seu blog estava lendo seus textos e me identifiquei com varias coisas..... abraço!

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  2. Dulcinea, gostei muito desse texto, acho que é muito dificil nós aceitarmos nossos medos privados, por preconceito da sociedade e por nosso próprio preconceito. Para nos livrarmos desses medos basta conhecê-los ou é necessário externá-los?

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