"QUALQUER SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA..."

Rejeitados! Era assim que ambos sentiam-se após seu último contato. Ainda se gostavam. Mas separaram-se após calorosa discussão. Para um, não houvera motivo para aquele brusco rompimento. Para outro, fora a gota d'água, que rompeu o dique de uma longa espera. O marco final da expectativa (sempre verbalizada), de que o relacionamento se transformasse numa convivência de troca. Não só prazeres físicos, não só saídas e "ficadas", mas um compromisso mútuo de cúmplice convivência. A certeza de que, independente de qualquer situação, o outro estaria sempre lá. Independente de dias bons, mas, principalmente, estar juntos nos dias não tão bons. Tal qual o rito da união consagrada, "na felicidade ou na desventura, na riqueza ou na pobreza, enfermo e com saúde".

Para um, restava a impressão de que havia doado muito mais do que recebera. Para outro, a impressão era a de que doara mais do que conseguira, mas recebera menos do que gostaria. Para um, fora um casamento incompleto, para outro, um namoro aperfeiçoado. No calor da discussão, a verdade: "Eu sou completamente livre e você é completamente livre!". Fora o suficiente para entender que aqueles anos que passaram juntos não tiveram a importância e o compromisso que justificassem o investimento feito, não só de tempo, porém, de vida, de uma preciosa vida, que se escoava rapidamente.

Nos dias subseqüentes, em vão esperou-se um telefonema, um e-mail. Deixando o orgulho de lado, houvera uma tentativa de contato. Mas o outro se mantinha firme no propósito de afastar-se. Os dias passavam, arrastando-se na esperança frustrada de um reencontro. Mas não haveria retorno. Tal qual a morte física do ser amado, era difícil acreditar. Guardava-se a esperança de um repensar. Mas nada mais havia a fazer.

Há pessoas que se afastam pela violência física e há aqueles que rompem no limite da violência psicológica de mensagens paradoxais.

E se você, leitor(a), ao ler este texto, imaginou-se exposto pela revelação da íntima e sigilosa escuta terapêutica, saiba que esta não é apenas a sua história, mas é um exemplo comum das dificuldades do relacionamento interpessoal.


Propositalmente não utilizei pronomes no texto, com o objetivo consciente de confundir os personagens. Discussões dessa natureza se perdem nas mútuas projeções. Ao invés de perceber as próprias falhas e dificuldades, é mais fácil projetá-las e percebê-las como sendo do outro. Esse mecanismo é inconsciente. É uma das principais barreiras nas relações interpessoais.

É difícil admitir as próprias dificuldades. Desde cedo nos é incutido que dificuldades são defeitos. E defeitos, ninguém os quer. Defeito lembra algo “feio” (as palavras até se parecem). Prefiro usar o termo dificuldade. Defeito parece algo impossível de consertar. Utilizamos o termo, por exemplo, a respeito de objetos que compramos “com defeito” e queremos devolver.

Dificuldade, ao contrário, é um termo que remete a desafio, à possibilidade de crescimento, à opção de transformá-la em virtude. Visto dessa forma, é mais fácil aceitar que todas as pessoas estão “incompletas”, com a possibilidade de investirem em um processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento pessoal.

Admitir que todos possuem dificuldades não significa aceitar-se, e ao outro, “do jeito que se é”. É comum ouvir: “Eu sou assim mesmo!”, ou “Você já me conheceu assim”, ou ainda: “Você não tem jeito, mesmo”. Atitudes rígidas e rotuladas levam à cristalização de comportamentos indesejados e destrutivos das relações interpessoais. Ao contrário, a flexibilidade, a disponibilidade de ouvir, a auto-análise e a disposição para a mudança, são ferramentas essenciais para uma convivência agradável e de crescimento para todos.

Comentários

  1. Meu cristal quebrou não existe alguem do outro lado ,... existe eu mesma. Parabens pelo texto. É tocante

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