E O FLAMBOYANT FLORESCEU...



“A arvore que você plantou floriu pela primeira vez.”

Recebi o recado de um velho amigo, ex-vizinho. Eu nem me lembrava mais de que um dia plantara uma árvore por lá... Recordando, lembrei-me de algumas, a maioria era frutífera. Plantei duas jabuticabeiras, algumas mangueiras, laranjeiras, limoeiros. Vendi uma parte da chácara e a outra, sem nenhuma construção, deixei por lá...

Alguns dias antes, o mesmo vizinho me ligara, avisando que aquele pedaço de terra recebera uma visita: o fogo. O tempo estava seco, ele veio sorrateiro. Os vizinhos nada puderam fazer, a não ser salvar o seu próprio quinhão. Era uma terra abandonada. Quando menos se esperava, uma árvore, um Flamboyant, plantado há tantos anos, que nunca florira, amanheceu um dia todo em flor. Diante da terra queimada pelo fogo, após a primeira chuva da primavera (tal a fênix que renasce das cinzas), o Flamboyant floresceu. Cheio de flores, alegrou o vizinho, alegrou a todos os que por ali passavam.


Fui lá conferir. No caminho, lembrava-me do tempo em que iniciei aquele projeto. Seria uma "Pousada terapêutica". Um local onde as pessoas angustiadas, deprimidas e desiludidas, poderiam dar um tempo às suas vidas, um tempo para se recomporem. O projeto era nobre, mas construído de sonhos e ideais. Quando cai na realidade da dificuldade de operacionalizar um projeto de tal envergadura, desanimei e acabei desistindo. Desisti, sim, do projeto de construção literal de um espaço de acolhimento, de continência terapêutica. Por um tempo fiquei triste. Mesmo assim, plantei árvores! Por um tempo tentei vender a chácara. Até hoje não consegui... Mudei de caminhos, mas não de objetivos. E o Flamboyant florido me trouxe a resposta.


Eu o plantei na terra. Nunca mais tive dele notícia. Veio o fogo, veio o vento, veio a água. E um dia ele floriu. A vida tem trazido ao meu encontro pessoas angustiadas, deprimidas, desiludidas, tal as que eu queria alcançar inicialmente com o projeto da Pousada terapêutica. As pessoas chegam. Às vezes ficam algum tempo. Às vezes só por pouco tempo. Uma semente é lançada, uma muda é plantada. Colocada na terra, a semente já não nos pertence. Ela vai cumprir o seu destino. Vem o fogo da angústia, os ventos dos sonhos e ilusões e a água das lágrimas. Mesmo que não sejamos nós que a reguemos, que dela cuidemos, ela pode encontrar outro "cuidador", ou quem sabe até vingar sem cuidados... Mas a semente foi plantada. Umas vão cair em terra árida, outras na pedra, mas há aquelas que encontram a terra fofa, macia, quente, pronta para aconchegá-las e fazê-las crescer. Não é ao plantador que pertence o fruto. Tampouco ao que dela cuidou. O fruto pertence à própria árvore, e é ela que no tempo certo nos oferece sua sombra, a alegria de suas flores e o alimento de seus frutos. Nem sempre é a nós, semeadores, que compete continuar acompanhando-a. Mas resta a certeza de que em algum lugar por aí devem haver algumas árvores florindo e frutificando.

A lição do Flamboyant florido me faz refletir sobre a necessidade de nos desapegarmos dos resultados de nosso trabalho. A função do trabalho é a transformação da realidade. Ao tempo que colaboro com a transformação do Universo, recebo de volta a transformação de meu universo interno, pela satisfação de saber ser colaboradora de algo maior, indefinível. Transformando fora, transformo dentro... transformando dentro, transformo fora. E assim o ciclo virtuoso roda a roca que tece vidas, que gera amor, soprando o vento do Espírito transformador em cada pessoa, em cada família, nos grupos e em todos os espaços, internos e externos, do Universo.

Comentários

  1. Muito Poético este último parágrafo. O sentimento traduzido nas suas últimas linhas, permeia também o coração do Educador.

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