Cada um carregue (somente) a sua “mochila”...


Apesar de considerá-lo um programa interessante, nunca fiz nem pretendo fazer o "Caminho de Santiago de Compostela”. Não tenho vontade de fazer a Jornada, simplesmente porque não me vejo andando tanto tempo com uma mochila nas costas. Mas, teoricamente, considero um programa interessante para quem deseja refletir sobre sua vida. Além dos aspectos da fé daqueles que o buscam, o "Caminho", ao tempo que proporciona a oportunidade de reflexão, obriga o peregrino a exercitar o seu corpo, evitando o risco de deprimir-se com o processo.

Hoje convido você para fazer uma experiência: Imagine que milhares de pessoas estão caminhando na mesma direção. Cada qual com sua mochila nas costas, contendo seus objetos pessoais. Imagine-se sendo um deles. Você vai caminhando e, olhando para o lado, percebe que a mochila de seu companheiro está muito pesada. O que você faria:

(a) Diria para ele lhe passar sua mochila, para você carregar as duas
(b) Ofereceria para carregar algumas coisas da mochila do outro
(c) Mostraria para ele a melhor forma de carregar a mochila
(d) Sugeriria para ele repensar a necessidade de carregar tanta coisa. Será que tudo seria mesmo necessário?

Pensou? Este é um teste onde não existe certo nem errado. Tudo é relativo, dependendo de cada situação. Mas, imagine agora que, ao invés de objetos pessoais, cada mochila contém: as tarefas, as responsabilidades, as preocupações, os sentimentos de culpa, os problemas de cada um. Qual seria, ou melhor, qual tem sido a sua atitude?

Este é um tema muito comum: Pessoas que carregam os problemas e as responsabilidades de outros. Os motivos que levam as pessoas a agirem dessa forma são muitos. A maioria deles revestidos do sentimento e desejo de mostrar-se como uma pessoa "boa", que "ama" o outro. Mas, na realidade, é mais um "quero parecer 'bom' para ser amado". E nessa busca, acaba-se complementando de forma não saudável o outro, pois, "já que fazem por mim, não preciso fazer por mim mesmo". Sem a oportunidade de assumir as próprias responsabilidades, o outro deixa de crescer e assumir a sua própria vida. Conseqüentemente, ao querer fazer pelo outro o que ele mesmo deveria fazer, eu impeço o seu crescimento, não lhe faço bem. Ou seja, querendo ser "bom", acabo sendo "mau". Não somente para o outro, mas também para mim mesmo, pois assim como carregar muito peso nas costas faz mal à coluna, carregar a responsabilidade do outro faz mal à alma, e adoece fisicamente também.

Estar com outro é diferente de fazer pelo outro, ou responsabilizar-se pelo outro.

Conheço pessoas que fizeram o Caminho de Santiago. Pelo que sei, é comum ao final do primeiro dia de caminhada elas reverem suas mochilas, avaliando e selecionando seu conteúdo. Esse, a meu ver, é o exercício mais importante de todo o processo: deixar para trás aquilo que você não precisa carregar.


FOTO DE MARCIO GAZIRO NO CAMINHO DE SANTIAGO. Endereço desta e de outras fotos do Caminho de Santiago

Comentários

  1. Dulcinéa,

    Considero muito oportuno e de extrema importância o tema abordado hoje.
    Se eu soubesse e vivenciasse isto quando estava na adolescência teria evitado escolhas erradas e muito problemas criados ao me preocupar e me esforçar para ajudar ao outro a carregar sua mochila.
    Parabéns pelo belo texto,

    ResponderExcluir
  2. Dulcinéa,
    Tenho verdadeira paixão pelo Caminho de Santiago e cheguei a me preparar para fazê-lo em 2003. Nesta ordem, li muitos livros e guias, participei de grupos na internet e em reuniões de pregrinos, comprei equipamentos - botas, roupas, mochila, comprei euros e cuidei do treinamento físico. Não foi possível, a Mãe foi piorando, piorando e eu fui deixando para depois. Agora já estou pensando em fazer em duas etapas de 15 dias, mas ainda não desisti. Só esta preparação já me fez muito bem, e a frase "viaje leve" tem me servido para muitas situações. Um abração,
    Neca

    ResponderExcluir
  3. Dulce.
    Por outro lado, as pessoas que tem suas mochilas, ou parte delas, carregadas, acham muito bom.Nem avaliam como o outro está. E o outro lá vai seguindo o caminho com a mochila dos outros.
    Bj, Tania

    ResponderExcluir
  4. Dulcinea,

    Adorei o seu blog. Muitos assuntos interessantes. Coloquei uma citação e um link dele no meu prórpio blog.
    Em relação ao texto, mesmo sabendo que a questão se refere ao relacionamento entre pessoas, também podemos fazer um paralelo entre Estado e sociedade. Mais importante que carregar as mochilas, no caso do estado, é dar condições de que todos possam se preparar da mesma forma para a peregrinação.

    Abraços.

    ResponderExcluir
  5. Abaixo o Pequeno Princípe!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"O Casamento está morto. Viva o casamento! - Resenha

A LIÇAO DO BEM-TE-VI sobre a culpa e a falsa culpa