“ANTES PREVENIR DO QUE REMEDIAR”

Recordo-me do tempo em que eu ainda assistia às novelas, particularmente de uma delas, intitulada "O Clone". Não me lembro bem do enredo, mas houve uma cena que me chamou a atenção. Uma personagem, interpretada pela Letícia Sabatela, casada nos costumes árabes, no meio de uma discussão lembrou ao marido: “Você precisa contratar uma empregada. No contrato de casamento estava escrito que teria uma empregada...”.

Achei fantástico! Como nós, mulheres ocidentais, estudadas, "evoluídas", conquistamos tantos espaços, mas nunca pensamos nisso? Estabelecemos nossos relacionamentos na base "do que achamos que o outro acha", no que já é convencional, e que "sempre é assim". Dessa forma, criam-se expectativas unilaterais não correspondidas. Envolvidos e embriagados pela paixão romântica, casais estabelecem laços irreais, utópicos, esquecendo-se de que no dia-a-dia existem tarefas para serem compartilhadas, ritmos de trabalho diferentes, dias em que “um está afim e o outro não”. Parecem pequenos detalhes, mas que, juntos, transformam-se numa grande barreira para o relacionamento do casal.

Fiquei imaginando, ao assistir àquele capítulo da novela, o que mais constaria daquele "Contrato". Como exercício, pensemos que o casal poderia detalhar alguns aspectos, tais como: estilo de moradia, divisão de tarefas caseiras, orçamento financeiro, organização da casa, compromisso de lazer em conjunto, liberdade de lazer em separado, estilos e preferências nas refeições e, finalmente, os concernentes ao sexo (quais as preferências e os limites?).

Pode parecer desnecessário, absurdo e até ridículo pensar dessa forma. Esse é apenas um exercício e não, necessariamente, ele precisaria ser “escrito, assinado e passado em cartório”. Também não há necessidade, nem deveria ser algo fechado. O segredo do planejamento é estar sempre sendo redirecionado e adaptado à realidade, através da comunicação franca e aberta.

Pode não parecer, mas pequenos detalhes são queixas freqüentes no consultório psicológico. Elas vão se acumulando, transformando-se em grandes problemas de relacionamento do casal. Passa a ser tabu conversar sobre determinados assuntos, interpretados como cobrança, como rejeição, como incompreensão... e por aí vai, complicando um relacionamento que começara tão romântico!

Cada qual cresceu numa família com seus costumes, seu jeito de ser, onde era natural que as coisas acontecessem de uma determinada forma. Cada um separa-se de sua família de origem com costumes arraigados e com o pensamento de que "esse é o jeito certo de ser". O problema é que "o jeito certo de ser" de uma família nem sempre é o "jeito certo de ser" de outra família. Dessa forma, ao formar uma nova família, não existe ainda nenhum "jeito certo de ser", ele terá que ser criado, inventado, adaptado à nova fase de vida, adaptado a um mundo em constantes mudanças, com (e sempre cada vez mais), exigências competitivas no campo profissional.

Um dos maiores vícios da comunicação é antecipar-se ao pensamento do outro. Ou seja, antes de se confirmar, já se tem por certa a opinião do outro. Esse, talvez, mais do que vício, seja um dos piores vírus da comunicação e do relacionamento. Chega sorrateiro, invade os espaços, contaminando e fazendo adoecer o relacionamento interpessoal. Mais fácil é prevenir do que remediar!

Comentários

  1. Muito bom, e no decorrer da leitura pensei, pq vc não cria fórum pré-casamento (seja ele formal ou não)?? Pois aqueles conduzidos pelas instituições religiosas acabam contaminados pelas crenças e, neste espaço, isento, seriam debatidos os vários contratos que permeiam um casamento: emocional, físico, financeiro, social, etc...
    Acho que seria extremamente útil a todos. Não discorrerei aqui as várias motivações que fazem pensar assim... mas deixo aqui a proposta.

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