A "OUTRA METADE DA LARANJA" EXISTE?

"Se existe", dizia a mulher calejada de relacionamentos frustrados, "alguém já chupou a minha metade da laranja e jogou o bagaço fora, pois eu até hoje não a encontrei." Ou então, diz outra, "eu já encontrei, mas só que ele não me considera a sua outra metade". Outra diz ainda: "eu pensei que tinha encontrado a outra metade da laranja, mas depois que casei percebi que era na verdade um grande limão azedo!"

Desde que a humanidade existe, ou melhor, desde que nos tornamos conscientes e permitidos a fazer a escolha do parceiro afetivo/sexual, essa tem sido a questão mais desejada de ser resolvida e no entanto a mais conflituosa. Quem já não se apaixonou? E quem já não se decepcionou no amor?

Somos bombardeados continuamente com modelos utópicos de relacionamentos românticos felizes. Desde criança ouvimos os contos de fadas, onde os protagonistas "viveram felizes para sempre". Se essa não é a realidade, porque existe esse desejo, essa fantasia?

Trago hoje algumas pinceladas de Jung sobre esse assunto. Os colegas junguianos me perdoem pela apresentação simplificada de tema tão complexo e profundo, mas vou tentar, de forma didática, apresentar algumas idéias que podem jogar alguma luz sobre o assunto.

Jung, a partir de sua própria experiência de interiorização e exploração de seus processos inconscientes, de seus estudos comparativos das várias culturas, mitologias e religiões, e de sua prática como analista, trouxe-nos a noção do Insconsciente Coletivo. É uma parte de nosso psiquismo que herdamos culturalmente.

Nessas pesquisas Jung encontrou figuras que chamou de "imagens primordiais ou arquétipos". A ponte do inconsciente pessoal para os niveis mais profundos do Inconsciente Coletivo se faz através dos arquétipos Anima e Animus. Do latim, Anima = Alma e Animus= Espírito. A Anima é o lado feminino, inconsciente no homem e o Animus o lado masculino, inconsciente na mulher. Os termos Alma e Espírito nesse caso não se referem ao seu significado espiritual, mas a aspectos da psique. Ambos, homem e mulher para entrarem em contato com o seu inconsciente mais profundo, precisam entrar em contato com Anima/us. O processo de integração interna se faz a partir da projeção externa. Projetamos no outro, no objeto de "amor" a anima (os homens) e o animus (as mulheres). Por isso nos apaixonamos e nos decepcionamos, porque não temos a percepção real do outro.

Acontece que, mesmo sabendo disso, todos nós passamos por esse processo (até Jung passou). Primeiro ver fora, para depois integrar internamente. É a partir dos relacionamentos afetivos/sexuais, ou na família, amigos ou trabalho, com a oportunidade de convivermos com o masculino ou feminino fora de nós que podemos aos poucos ir fazendo essa integração.

Depois da meia-idade, se essa integração ocorre de forma satisfatória, a pessoa se torna mais integrada, mais "completa" com menos necessidade de buscar no outro "algo que lhe falta". Não tem mais a necessidade de buscar fora o que está dentro. É nessa etapa de vida que muitos conseguem viver sozinhos sem sentirem-se solitários ou "incompletos". Alcançam certa serenidade! Podem viver e conviver com o outro de uma forma madura, sem o sentimento de que "precisam" do outro, mas que estão juntos porque é bom compartilhar a vida!

Para saber mais sobre o assunto:
JUNG, C.G. - Memórias, Sonhos e Reflexões - Editora Nova Fronteira/
JUNG, Emma - Animus e Anima Editora Cultrix/
STEIN, Murray - JUNG o Mapa da Alma, Uma Introdução - Editora Cultrix

Comentários

  1. Parece incrível, mas já estou na meia idade. E com a outra metade de minha laranja. Não sei porque, isso cabe a você, psicóloga, me dizer, mas sempre senti que ele era a minha outra parte. Será maturidade precoce ou até hoje não amadureci? rrsrsrsrsrs
    Na verdade, não me interessa muito saber, quero é continuar sendo feliz. Cláudia Ziller Faria

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  2. Isso é ótimo, Claúdia,
    São os chamados casamentos de individuação. Relacionamentos que promovem o processo de individuação em ambos os parceiros. Isso, é claro, não significa que é sempre um mar de rosas. Um casal que consegue superar todas as diferenças, ambos integram a anima/animus. Mas isso é assunto para outro texto...
    Meu afetuoso abraço, extensivo à outra metade da laranja!!
    Dulcinéa

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  3. Bem, pelo que depreendi a partir do texto da Dulcinéa, o que eventualmente procuramos em outra pessoa, o caso o nosso parceiro/parceira, está em nós mesmos, ainda que num nível inconsciente que, ao longo da vida, incorporamos ao nosso consciente. Em outras palavras: somos completos e não metades à cata da outra parte de nós mesmos. Quando esse tipo de encontro ocorre, o da identificação de uma necessidade do outro para completar-se a si mesmo, há um sério risco do desenvolvimento de uma relação simbiótica que, por definição, não é saudável. Claro que a sensação de ter encontrado o "par perfeito", como a Cláudia cita e a a Dulcinéa referenda é possível, mas é um encontro de duas laranjas inteiras que, nesse caso, costumam produzir o mais delicioso suco!

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