"O Casamento está morto. Viva o casamento! - Resenha

Ao ler o artigo de ontem, sobre "a outra metade da laranja", minha amiga Cláudia Ziller Faria comenta: "Parece incrível, mas já estou na meia idade. E com a outra metade de minha laranja."
O artigo de hoje, é para você, querida amiga, que está comemorando mais um aniversário de casamento. Uma homenagem a todos os que conseguem atualmente manterem-se casados por tantos anos.

Apresento uma resenha do livro "O CASAMENTO ESTÁ MORTO. VIVA O CASAMENTO" de Adolf Guggenbühl-Craig. A edição está esgotada, mas é possível encontrar nos sebos virtuais. Vale a pena! O autor é conceituado analista junguiano na abordagem da psicologia arquetípica.

O autor introduz o assunto trazendo exemplos de dois casamentos que povoam o inconsciente da humanidade: Zeus e Hera da Mitologia Grega e a Sagrada Família, José e Maria. O primeiro casal, como exemplo de casamento conflituoso com seus "altos e baixos" e o segundo como símbolo da perfeita e harmônica união.

Para Guggenbühl, o casamento é um dos caminhos da "salvação". Para entender seu posicionamento é preciso antes entender os conceitos de "Salvação", "Bem-Estar" e o conceito junguiano de INDIVIDUAÇÃO.

"Bem estar está relacionado com o evitar tensões desagradáveis, com a tentativa de usufruir a sensação física de conforto, relaxamento e prazer (...) A felicidade está relacionada ao bem-estar: a pessoa que tem a sensação de Bem-estar é feliz e satisfeita"

"No contexto da linguagem religiosa a salvação significa procurar e encontrar contato com Deus. (...) Para os cristãos o grande mitologema para o caminho da salvação é a vida de Jesus Cristo. Seus trabalhos, seu sofrimento e morte pertencem inalteravelmente ao caminho que ele encontrou de volta ao Pai. (...) Dificilmente podemos dizer com precisão ou mesmo imaginar o que é salvação. (...) O estado de salvação, como tal, pode ser somente intuído, numa vida humana, durante os breves momentos de climax religioso ou filosófico."

Individuação -
"falamos de "Individuação em psicologia junguiana, que necessariamente não se refere a saúde mental, bem estar e sensação de felicidade. "Individuação" envolve a luta de uma pessoa para achar seu próprio caminho de salvação."
" O caminho da individuação tem muito a ver com salvação e pouco a ver com bem-estar.(...) o impulso para a individuação nos impele a contatar com uma centelha íntima de divindade que Jung descreve como o "self" (si mesmo)"
"Não pode ser evitado no processo de individuação a confrontação com o sofrimento e a morte, com o lado escuro de Deus e de sua criação, com o que nos faz sofrer (...). Não pode existir individuação sem confronto com o lado destrutivo de Deus, do mundo e de nossa própria alma."
"Individuação não é individualismo. (...) A participação na sociedade sempre pertence à individuação, seja na forma extrovertida, como no caso do cavaleiro medieval, na introvertida, como o caso do monge que reza ou numa forma mista. A pessoa em individuação ocupa-se com seu próximo seja pela participação ativa ou pelas lutas interiores com os problemas coletivos".

A partir daí o autor defende a idéia do casamento como sendo um caminho de salvação:
"O encontro dialético entre dois parceiros, que dura toda a vida, o vínculo de um homem e uma mulher, até a morte, pode ser entendido como um meio especial de descobrir a alma, uma forma especial de salvação."
"Um casamento só funciona se alguém se abre exatamente para aquilo que nunca pediria que fosse de outra maneira. Somente friccionando as próprias feridas e se perdendo se é capaz de aprender sobre si mesmo, Deus e o mundo. Como todo meio de salvação, o do casamento é duro e doloroso."
"Para aqueles que são dotados para o meio de salvação através do casamento, esse, como qualquer outro, naturalmente oferece não só dificuldade, trabalho e sofrimento mas também a mais profunda espécie de satisfação existencial. Dante não chegou ao Céu senão atravessando o Inferno. E assim, também (lá) raramente existem "casamentos felizes". "

O autor prossegue aprofundando os temas relativos ao casamento como forma de individuação, abordando o confronto entre Masculino e Feminino, sexualidade, sacrifício e divórcio, que também pode ser um caminho para a individuação, e conclui, no seu último capítulo, com a frase paradoxal, apresentada como título do livro "O CASAMENTO ESTÁ MORTO, VIVA O CASAMENTO!".

Na minha opinião, e entendo também que seja a de Guggenbühl, nem todo o casamento constitui um caminho para a individuação, muitas vezes o parceiro escolhido não é o que vai promover esse processo. Existem muitos outros caminhos, inclusive o das pessoas solteiras, divorciadas e viúvas. Pessoas que vivem só, voluntária ou involuntariamente.

Na escuta íntima nos processos terapêuticos é comum a dúvida: "Meu casamento não está como eu gostaria, mas quando vejo outras pessoas que se divorciaram, vejo que também para elas nem sempre é fácil". Na realidade, como afirma o autor, o caminho da individuação não é fácil.

O que pode nos ajudar, na minha opinião, é desvincular o conceito de felicidade do conceito de bem-estar, mas perceber a felicidade como uma profunda satisfação existencial. Para mim a felicidade está mais próxima da paz do que da alegria. Primeiro buscamos a paz e a alegria, o bem-estar são conseqüencias. A paz, a satisfação existencial, é encontrada através da realização da vocação. É preciso se perguntar: a que vim? porque estou aqui? Quanto mais caminho "no meu caminho", entendendo o significado e sentido da minha vida, mais próximo estou da Individuação.

Referência: O CASAMENTO ESTÁ MORTO, VIVA O CASAMENTO - Adolf Guggenbühl-Craig Psicologia Arquetípica - Edições Símbolo, 1980

Comentários

  1. Lá "das Minas Gerais" me chega um comentário da colega e amiga Glória, palavras de grande sabedoria da experiente psicóloga e singular pessoa que ela é:

    "Oi Dulcinea,

    Tudo bem? Parabéns pelo seu blog. Quanto a morte do casamento tenho a dizer o seguinte: Ano que vem faço 50 anos de casada (bodas de ouro). Acho que o que morre é uma visão de
    casamento. Quando me casei tínhamos uma visão de casamento,
    mas, para permanecermos casados tivemos que ir casando durante a
    vida, ou seja, não existe um tipo de casamento fixo já que as
    pessoas mudam até morrer. Antes gostava disto agora gosto
    daquilo. Certa vez um terapeuta em Brasília ele me disse
    o seguinte: "certas coisas do casamento diminuem, é natural e outras aumentam. A admiração é uma das que aumenta.Isto faz o
    casamento continuar". O que posso dizer é que hoje sou muito
    mais feliz dos que aos 25 anos (estou com 70).
    Bjs e felicidades,
    Glória"

    Obrigada, Glorinha!
    Um beijo no seu coração!

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  2. Gostei muito dos temas. Parabéns..

    Beijo. Cesira.

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  3. Oi Dulcinéa,

    Li o seu artigo e adorei, vou divulgar.

    Beijo,

    Joana.

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  4. Dudu,
    adorei!
    Vou acompanhar sempre.
    Beijo,

    Dette

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  5. Que lindo!

    É exatamente como me sinto.

    Ter entendido a minha vocação e missão me trouxeram a satisfação que nada antes conseguia e como consequência a paz que habita hoje em mim provoca essa felicidade tamanha que está no sorriso e na busca!

    Muita sorte e obrigada pelas belas palavras.

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