A dor do medo da perda

O que dói mais? A dor da perda ou a dor do medo da perda?

Só quem já perdeu um ente querido pode responder a essa pergunta. Mesmo assim haverá respostas diferentes. Cada pessoa, de acordo com suas histórias passadas, de vida e de morte, pode avaliar como é para si esse sentimento.

Não posso falar por todos, mas posso falar dos meus sentimentos. Cresci em Brasília, longe de tios e avós. Aqui só temos nosso núcleo familiar, meus pais, irmãos e nossos filhos, a terceira geração. Portanto não tive a oportunidade de viver de perto a morte de avós e tios. Considero que esta é uma importante vivência na vida.

Lembro-me da minha cidade natal, Catanduva, no interior de São Paulo, onde passava as férias quando criança. Lá a morte tem seu ritual. Não sei hoje em dia, mas quando criança, meus avós moravam na rua do cemitério e o cortejo fúnebre passava pela rua. O morto era velado em casa e todos os amigos faziam com ele aquela última caminhada. Na entrada do cemitério, as palavras: "Fomos o que és, serás o que somos". A frase lembra grande verdade. A única certeza que temos nesta vida, é a nossa finitude, lembrada a cada ritual. Independente da crença que temos pós morte, esta é e sempre será uma verdade.

Quando trabalhava no setor psico-social do BRB, uma de minhas atribuições era prestar assistência aos servidores em caso de luto. Como eu não sabia muito bem como fazer isso, até pela minha inexperiência naquela época a respeito da morte, eu preferia ir ao velório, abraçar a pessoa, sem dizer nada. Eu estava ali, naquele momento, não só para prestar apoio, mas principalmente, preparava-me para a morte: minha, das pessoas que se foram, e das que ainda irão.

Naquela época ficava imaginando como seria para mim a hora que meus queridos partissem, e já chorava por antecipação pelo medo de suas mortes. Esse dia chegou quando meu irmão mais velho teve um enfarte, vindo a falecer uma semana depois. Eu sobrevivi! O medo da dor da morte, para mim, foi maior que a dor da morte.

Falei disso para o meu terapeuta, meu velho Moacir, e ele me disse: - "Eu tinha uma tia que me contou: - Eu pensava que quando as pessoas que eu amo morressem eu também morreria. Mas eles morreram e eu não morri".

Somos todos sobreviventes da vida e da morte. Guardamos dentro de nós nossos mortos, que permanecem vivos através da herança e da esperança de vida que vive dentro de cada um de nós.

Comentários

  1. Também passei por essa experiência, Dulcinéa, e de forma bem trágica. Foi a morte de uma "menina" de 24 anos. Eu nunca tinha me deparado com a tragédia, a morte de alguém tão jovem. Só conhecia de jornal, revista e televisão. Dói, e muito. Até hoje, já se passaram quase três anos e continua doendo MUITO. Mas, por incrível que pareça, o medo que eu sentia antes me incomodava mais do que a dor real. Eu não sabia que era possível sobreviver a tal sofrimento. E tinha verdadeiro pavor de um dia me deparar com tal tragédia. E descobri que sobrevivemos e saímos mais fortes da experiência.

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  2. Sou semente e quero morrer pra renascer. Ser sobrevivente não deve ser tão bom, quanto renascer. Quero guardar dentro de mim meus fatos da vida mais felizes. Todos que me fizeram e me fazem ser sobrevivente da vida e da morte.

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