Caminhos TanGENTES

Do latim, tal como no português, a palavra “tangente” significa: que se tocam. O termo refere-se a linhas que em dado momento se tocam, mas continuam suas curvas afastando-se.

Relacionamentos afetivos também podem ser tangenciais. Há relacionamentos de um dia, outros de semanas, meses e até anos. Há também aqueles que (felizes ou infelizes) passam o restante de suas vidas juntos, até que a morte os separe.

Porque os relacionamentos precisariam durar a vida toda? E porque aquela sensação de que, em caso de separação, o relacionamento “não deu certo”?

Todos nós temos uma caminhada para chegar ao destino de nossas almas, nosso propósito de vida. É o processo de individuação, o tornar-se cada vez mais o que se é realmente. Assim como a semente do feijão plantada em uma caixa escura, com uma fresta na experiência que fazemos quando crianças, nossa vida, apesar das idas e vindas, sempre procura a fresta de luz necessária para crescer e tornar-se aquilo a que veio. Assim também, tudo o que passamos na vida, pode ter um sentido e um propósito para realizarmos nossa missão. A diferença entre pessoas e pessoas é que alguns reconhecem, elaboraram suas perdas, suas interrupções de caminho e tem a coragem de recomeçar (1).


Na vida temos pessoas que passam pela nossa existência por um determinado período de tempo. Ao encontro com esta outra vida, a nossa transforma-se. Despedimo-nos e seguimos adiante, cada um levando em si um pouco o que era do outro. Assim, como em cadeias que se entrelaçam, trocamos vida com tantas outras vidas, enriquecemos nossa existência, com tantas outras experiências, que se incorporam à nossa vida, como se delas tivéssemos participado. Nossa vida se enriquece. Fica sempre um pouco de perfume.

No meu trabalho como psicoterapeuta tenho o privilégio de acompanhar pessoas na fase mais dolorosa de suas vidas: o momento em que procuram a ajuda profissional para compartilhar sua dor, seu sofrimento, entender o que se passa consigo, com sua vida. Digo que é um privilégio, pois após a dor da separação, do questionamento do descaminho, vem a alegria de reencontrar-se com a sua própria alma: O crescimento advindo da elaboração do luto da perda e o reconhecimento de que o sofrimento não foi em vão. O separar-se de alguém, ou de um local de moradia, ou de um trabalho foi necessário para encontrar ou reencontrar-se consigo mesmo e retornar o caminho de sua individuação.

Foi a partir dessas reflexões, de minha vida e da vida de pessoas que acompanho em seus momentos de crise, separação e luto, que pensei em escrever sobre o assunto. Caminhos entrecortados, cruzados, interrompidos. Separações dolorosas, sofrimentos físicos e psíquicos, mas que, a partir da elaboração do luto e da dor, tornaram-se fonte de crescimento e amadurecimento possibilitando repensar propostas de vida, transformando padrões estereotipados de relacionamento em novas formas de ver e encarar a vida.

Muitos mudam até de cidade e de país, trocam de profissão, encontram parceiros com quem estabelecem um padrão saudável de relacionamento. Outros optam por ficar só, e, mesmo que o estar só não seja opção, vivem independentes, sem, contudo se sentirem solitários. E há aqueles que após a crise, conseguem transformar o relacionamento, possibilitando a sua continuidade, mas de forma saudável e gratificante. O importante é ter a coragem de olhar para si mesmo. Avaliar se está feliz. A alegria e a paz são sinais de que estamos trilhando o caminho de nossa alma. Esse é o primeiro passo para se ter a coragem de mudar, tomar outros rumos em busca da realização.

Como escreveu Fernando Sabino em sua obra O Encontro marcado:
"De tudo, ficam três coisas:
- A certeza de que estamos sempre começando,
- A certeza de que é preciso continuar
- E a certeza de que podemos ser interrompidos, antes de terminarmos.
Fazer da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um Encontro...."

(1) O CÓDIGO DO SER - Uma busca do Caráter e da Vocação Pessoal - James Hillman Editora Objetiva

Comentários

  1. Oi minha amiga Dulci, que idéia maravilhosa! Conheci hoje seu blog e já li todos os textos. Excelente e esclarecedores seus textos. Em linguagem simples e clara trazem comentários e reflexões sobre vivencias que todos temos..........e nos deliciam com alguns pontos esclarecedores.
    Parabéns! Sucesso! e Super obrigada!
    Um bj e saudades,
    Terê

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  2. Gostei do blog,

    Vai em frente que o caminho promete!

    beijo, e parabéns por este passo.

    Márcia

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  3. Oi Dulcinéa,
    Adorei o texto "Tangentes"... amei e tem tudo a ver com o momento que estou vivendo agora. Ler esse texto me aquietou o espírito...
    Bem que a Cláudia me falou!!! rs
    Parabéns pelo Blog e seus textos!!!
    Amei!!
    Beijão
    Rosângela (Rô)

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  4. Olá Dulce, seu artigo é excelente e divulguei pros meus amigos ao receber o artigo da revista Época com o mesmo assunto (confesso que o seu é bem melhor).
    http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2012/05/casos-inacabados.html
    Abs,

    Edméa

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